sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Guardar



Guardar só para mim
as marés que enchem e vazam
do rio que é céu

aquela estrela mais brilhante
no céu que é noite

Guardar só para mim
momentos mágicos, irrepetíveis

palavras transparentes
transformadas em poemas

a ternura dos gestos
das mãos que falam

sorrisos que aquecem
abraços que aninham

guardar-te só para mim

porque há dias em que as ausências
os silêncios o cansaço
o desalento
sabem a lágrimas

(ao abrigo do código do autor)
imagem:Google.

Ester Cid




quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Lá fora chove

Dentro de mim
a tempestade teima em crescer

experimento pensar noutras coisas

mas só me vem à lembrança
o que me ficou por fazer

lutos que não fiz
palavras que ficaram por dizer e escrever
tristezas e mágoas que não partilhei
o cálice de moscatel roxo que ficou por beber
a música que não dancei
os poemas que não declamei

dentro de mim
a tempestade teima em crescer

Talvez se ficar muito quieta, passe

imóvel fico a olhar a chuva

dentro de mim
a tempestade amaina

Lá fora chove
(e)
dentro de mim também.

Ester Cid                                                    





domingo, 23 de agosto de 2015

PÃO



Por um pedaço de pão

um povo é levado a falar

a lutar

se a terra é o ventre

o pão é semente

Melhor do que o pão

é a sua partilha
e divisão

mas nunca
deveria custar lágrimas
o pão que comemos.

Ester Cid
Fotografia:Googole


                                                     

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Tesouros

Continuo a guardar
Abraços como agasalhos
sorrisos como se fossem sóis
palavras como se fossem beijos

Continuo a guardar
Folhas de Outono como se de jóias raras se tratassem
pedras do bosque como se fossem rubis preciosos

Continuo a guardar
estrelas do mar com aromas de maresia
conchas claras como as madrugadas

Continuo a guardar
pedaços de papel brilhante
como se fossem compassos de estrelas
dentro das folhas de um livro

Continuo a guardar
vozes como se fossem hinos

Continuo a guardar
Bilhetes usados de avião, como se dessem direito a voar de novo
O primeiro desenho da minha filha, como se esperasse uma galeria de arte

Continuo a guardar
poemas escritos, com medo de sentir frio por ficar nua.

Ester Cid
                                                            

domingo, 12 de julho de 2015

ficar ali... parada

Eu que tenho dúvidas e engano-me muitas vezes

há alturas que não é cansaço o que me aflige, é desalento
Aquela sensação de estar no meio de uma tempestade, que parece um diluvio e o desalento não me deixar abrigar

ficar ali... parada

enquanto as lágrimas se misturam com a chuva

ficar ali... parada

olhando o céu, como esperasse que me nascessem asas e pudesse voar para um lado qualquer

Ficar ali... parada

inventando um canto de aves,para cantar enquanto voo

ficar ali... parada
mas desta vez com a certeza que não posso ser pássaro nem voar
porque é urgente que eu seja novamente ninho

Ester Cid

Imagem : Google

                                                                    

domingo, 14 de junho de 2015

Madrugada

Gatos miam
lamentos no meu telhado
as corujas
regressam barulhentas
à torre da Igreja matriz
a chuva cai neste anoitecer
as estrelas não se mostram
a lua cansada dormia
assim chegou a madrugada
sem sono e sem poesia.


Ester Cid
(ao abrigo do código do autor)
Pintura: VAN GOGH – “A Igreja de Auvers”

                                                                               

quinta-feira, 7 de maio de 2015

"Banho de paz"



Preciso voltar sempre ao meu Alentejo
Acontece-me sempre o mesmo e não consigo explicar, porque ao entrar no carro e iniciar a viagem começo a cantar durante toda a viagem,canções que fazem parte da minha infância, e que aqui em Lisboa por vezes as esqueço. Este fim de semana lembrei-me do hino dos mineiros e fui a trauteá-lo até Montemor. "Tenho a camisa rota trá... lá... lá. Com sangue de um camarada trá... lá... lá". Em Montemor, uma paragem para tomar um saboroso café e uma óptima queijadinha, especialidade de Montemor.

Sigo novamente viagem em companhia do meu cante alentejano, que tanto gosto. "Se eu for presa por cantar lá... lá .. .lá... eu sou como um passarinho que até na gaiola canta" e assim chego à minha linda vila de Monforte.

Ao sair do carro os vizinhos cumprimentam-me, e a primeira pergunta é sempre igual "Então amiguinha estás cá? Então quando abalas?" Depois de os informar que só vou passar o fim de semana, e que regresso domingo à noite, começam os convites, "Esterinha, olha que o jantar hoje é na minha casa, no sábado vais à da Maria almoçar, pois já ficou prometido, da outra semana passada.

O jantar de sábado é no restaurante na Aldeia de Vaiamonte. A malta amiga combinou ir lá comer um cozido de grão feito em lume de lenha, a Ana e a Rosa também chegaram de Lisboa ontem, e também vão jantar, "vai ser bonito vai, vamos lá juntar 25 pessoas", dizia-me a Catarina, uma mulher linda, cheia de energia, com uns olhos pretos
enormes, umas rosetas muito vermelhas, e uma história de vida triste, mas que não fez dela uma mulher amargurada.

Crescemos juntas, estudamos nas mesmas escolas, vivemos e fomos cúmplices de muitas vivências, só nos separamos quando vim viver para Lisboa, e mesmo assim a separação foi só física, porque continuamos a estar em contacto sempre. Uma verdadeira amiga de infância. Mas dizia eu, a Catarina é uma mulher, que teve um casamento infeliz, foi mãe, de uma rapariga lindíssima e inteligente, que ao nascer foi rejeitada pelo pai (o ex -marido da Catarina
porque ele queria um rapaz. A partir do nascimento da Marta, os problemas conjugais começaram, pois a Catarina tinha dificuldades em aceitar a maneira injusta, como o marido tratava a filha
Uma noite a Catarina recebeu um telefonema de outra mulher, de uma aldeia próxima, e informou-a que estava grávida de um segundo filho,do  ex-marido da  Catarina.
Quando ele chegou, ela confrontou-o com a conversa telefónica, tendo ele confirmou tudo, e acrescentou que não tencionava deixar a casa porque queria continuar a fazer vida com as duas.
A Catarina ao ouvir tudo isto, deu trinta minutos ao ex- marido para arrumar as coisas, e sair. Lembro-me de terem passado quarenta e cinco minutos, e da minha janela ver o ex marido da Catarina, ser atirado pela janela e de seguida as roupas levarem o mesmo fim
Ainda hoje ela sorridente conta "agarrei o gajo pelos fundilhos e ala que já era tarde"

E lá vamos nós sábado, á noite para Vaiamonte, para o nosso jantarinho de grão... que alegria quando nos encontramos todos, é por vezes complicado porque queremos falar todos ao mesmo tempo, mas lá vamos conseguindo, partilhar emoções, e principalmente partilhar afectos, como se de uma enorme família se tratasse.

Domingo 6 horas da manhã e em casa do meu irmão todos dormem. Levanto-me, tomo o meu banho, escovo os dentes e o cabelo, visto-me, e prendo os cabelos e saio muito devagar, comendo uma maça, e caminho direitinha, à ribeira da Leca, que tantas recordações de infância me traz, é tão bom sentir este vento diferente no rosto, sinto que ele me beija de maneira diferente do de Lisboa, como se não me esquecesse e de cada vez que regresso quisesse matar saudades minhas e beijando-me, as quisesse saciar.

Chego à ribeira e ninguém por perto, só eu, o cantar dos pássaros, o barulho das águas, os cheiros do rosmaninho, giestas, alecrim e jasmim fundem-se e trazem-me à memória os cheiros de infância. De repente sinto uma vontade enorme de entrar na água. Descalço os ténis, entro na ribeira, e salto... chapinho, é o termo, rindo sozinha, ou quem sabe? Não, é que neste estado de graça,sinto que tudo, e todos riem comigo.

Chego a casa toda molhada, mas o sorriso cúmplice, das pessoas que vou encontrando e do meu irmão, sei que compreendem, que preciso deste "banho de paz" para poder voltar.
Depois dos amigos e familiares me encherem o carro,com batatas,fruta, chouriços, farinheiras, queijos e tudo o mais que querem partilhar, sigo viagem, mas desta vez sem cantar, parece que tenho medo de abrir a boca e deixar fugir tudo o que de valioso trago dentro de mim.


Ester Cid
2012
Imagem: Google


                                                                     

quarta-feira, 25 de março de 2015

Ribeira




Aquela ribeira doce e mansa que corre entre pequenos montes, entalada por pedras grandes e surdas, extensa e solitária planície alentejana, sonhou um dia conhecer o mar.
Abraçou as terras secas e gretadas pelo sol, cantou com as cotovias um belo cântico que suavizava a vida das gentes que trabalhavam as terras, dançou alegremente com o vento, confidenciou o seu sonho à chuva e correu sem cansaço para o concretizar.
Mas - há sempre um mas na vida das belas ribeiras que sonham conhecer o mar - a ribeira cresceu com a cumplicidade da chuva e encontrou rios que quiseram ser seus donos, que lhe apertaram os contornos do sonho e a encheram de lágrimas que salgaram a sua doce água (as ribeiras não nascem para ter donos).
A ribeira começou a perder a doçura e a mansidão, perdeu as forças e o Norte, começou a secar lentamente nas terras gretadas e secas pelo sol. Mas todas as noites confidencia às estrelas e à lua que não vai morrer sem conhecer o mar.
Ester Cid
(ao abrigo do código do autor)
imagem:Google




sexta-feira, 13 de março de 2015

É TEU O MEU COLO.

Sozinho
com frio
com fome
com medo
com sede
caminhava pelas ruas causticantes

com cabelos desalinhados
os seus olhos nem sequer detêm lágrimas
porque já secaram à procura de alguém
os seus pés estão roxos de frio
o seu corpo pequeno e ainda fraco
treme... treme e geme de dor
não sei se é dor física
se é de solidão

este mundo é seu

mas o seu olhar
triste profundo
parece dizer


sinto que aqui
não sobrou lugar para mim
e assim
vai passando pela vida
sem infância, sem escola
talvez menino prodígio
talvez menino estrela
talvez menino luar
aprende a pedir esmola
não tem direito a sonhar
nunca soube o que é brincar
nem colo para adormecer
nem canção para o embalar

Ester Cid.

             (Desconheço o autor da fotografia)                

segunda-feira, 9 de março de 2015

MARGENS



Vesti-me de mar
para que pudesses navegar em mim
Esperei-te em todas as marés
Enfeitei-me de luar
com o brilho das estrelas

Encontrei-me e perdi-me

Em conchas e búzios segredos
superei as vagas e medos

Adocei as águas
acalmei as tempestades
desenhei-te num arco-íris

(e)

tu
só me olhaste das margens

Ester Cid.

Fotografia: Google




                                                                            

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

SUAVE



Porque


por vezes


as minhas palavras


não são tão suaves


aos teus ouvidos


quanto o silencio


"deito-me"


sobre


o papel

e

escrevo...escrevo

sobrando-me

tanta coisa

faltando-me

a

ternura

do

teu (a)braço


Ester Cid

Fotografia: Iain Wilson


sábado, 7 de fevereiro de 2015

Interrogação.

Quantos afluentes
beijaram o rio

quantos braços de rio
não chegam ao (a) mar

quantas esperanças se diluem no olhar
quantas lágrimas chegam salgadas aos lábios

quantas luas não foram cheias de sorrisos

quantas vezes as mãos
procuraram outras mãos

(e)

vazias se juntaram
sem sequer saber rezar

quantas vezes o coração
anoitece com perguntas
(e)
amanhece sem respostas

Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)
Arte: Pier Toffoletti
                                                               

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Se não me souberes amar


Se não me souberes amar
como a inquietude do vento que desarruma as folhas secas

como um vulcão em erupção
derramando a sua lava em terras que ficarão férteis

como uma enorme tempestade
que troveja e inunda as cidades e os campos

como a banda musical
que marcha pelas ruas acordando toda a Aldeia

se não me souberes amar
gritando todos os hinos de liberdade e alegria

guarda-me dentro de ti
(e)
abraça-me todos as noites em silêncio.

Ester Cid

imagem: Google

                                                                         


                                                         

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Mulheres de Maio

Não importa a tua etnia a tua cor
nem o que chamam de beleza exterior

Se nós mulheres
temos a esperança de Maio
num prenho e terno Abril
temos no ventre o dom da vida
em fecundos hinos mil

nos braços ternos nascem abraços

entre os dedos flores silvestres
colhidas em Maio maduro
cravos vermelhos florescem
em madrugada futuro

em tempos de ditadura
escondemos a nossa dor

(e)

grávidas de esperança
mulheres de Maio
força inteira
lutamos pela liberdade
com esta força guerreira

Ester Cid 
                                                                  

(ao abrigo do código do autor)
Fotografia: Google
                                                                   

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O NOSSO CAMINHO É ...



Aqui onde não há pão nem vinho
onde não se ouvem cantar os galos
aqui onde não há aroma de rosmaninho

.
aqui onde não ouves as rãs nem o sino
não consegues ver as estrelas e a lua
neste teu céu citadino
aqui onde não me sinto tua

aqui onde a chuva cristalina não vem teu rosto beijar
onde o vento não dança nem canta
aqui onde as crianças não podem na rua brincar
e o teu grito morre na garganta

aqui onde não há trabalho
não há searas de pão
onde não há casa para habitar
aqui onde é urgente sonhar
onde se perde razão
aqui onde tudo está a secar

aqui... meu amor estamos

Amanhã quero levar-te daqui
quero dar-te a mão
e de mansinho caminharemos juntos para a fonte da liberdade

Amanhã...meu amor... Amanhã.

Ester Cid

  Imagem: Google
                                                                     

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Sempre em mim "Liberdade"

O meu avô materno está sempre no meu coração lembro-me
de um passeio que os dois demos pelos campos primaveris do nosso Alentejo.

Debaixo de um sobreiro, comendo a nossa merenda ele perguntou-me:

"Querida, porque estás triste? "Até te apanhei um grilo e o coloquei na gaiola para o levarmos para casa e o ouvires cantar, como tanto gostas." Respondi-lhe que estava triste por ver o grilo preso na gaiola.

O meu avô sorrindo pegou na gaiola feita de cana retirou a minúscula porta feita em cortiça e deixou o grilo em liberdade dizendo-me de seguida:

"Um dia o povo também irá viver em liberdade, e esse dia minha querida neta, o povo terá a alegria e ternura que vi no teu olhar quando soltei o grilo"

Ester Cid


                                                                                     

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A TERRA A QUEM A TRABALHA


Meus campos alentejanos
agora de solidão
são campos por "emprenhar"
nascer o seu filho pão

sou eu papoila vermelha
nascida sem ser semeada
que teimo em ficar aqui
numa terra que é roubada

mas podem ter a certeza
a certeza da razão
vou continuar a nascer gritando revolução
a terra a quem a trabalha
a quem herda é que NÃO.

Ester Cid.

Fotografia: Google

                                     

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

AVENIDA DA LIBERDADE

Sempre que te caminho
gosto... gosto muito.
.
Olho as árvores frondosas 
sim aquelas que te fazem de céu.
gosto...gosto muito.
.
consigo abstrair-me
dos carros que te povoam 
gosto...gosto muito.
.
poder caminhar-te
livremente.
quando o povo se manifesta
gosto... gosto muito.
.
porque 
menina avenida sem idade
.
transformas-te num país 
de esperança e liberdade
e eu gosto... gosto muito.

Ester Cid 

                                                                               
                                                                           

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A VALSA DO PROLETARIADO.



Dançar sempre foi uma paixão para mim, aliás, todas as formas de arte, sempre me apaixonaram, mas como vos estava contando, adoro dançar. A paixão era tão grande, que eu e o meu irmão (dois anos mais velho que eu) treinávamos em casa, para quando fossemos dançar às colectividades da nossa vila, pudéssemos dançar e encantar... sim era esse o termo: encantar. Dançávamos a valsa romântica e suavemente, o tango com paixão arrebatadora. Em Agosto, mês das festas, na nossa terra e nas aldeias, era certo e sabido, que o par de irmãos não faltava a nenhum baile. Lembro-me que certa vez, ainda em período escolar, realizou-se numa aldeia vizinha uma valsa a prémio.

Havia uma rivalidade sadia, entre a minha vila e as aldeias próximas e todos queríamos ganhar aquele concurso. Só que desta vez o meu pai, achando que eu precisava estudar e descansar, para estar bem disposta, para fazer um exame na segunda feira, não me deixou ir ao baile... eu e o meu irmão estávamos desolados, tínhamos ensaiado tanto. Antes do meu pai ir dormir, o meu irmão ainda pediu mais uma vez, mas não conseguiu demovê-lo e a resposta foi não. O meu pai adormeceu e os vizinhos ansiosos, esperando ver-nos sair no táxi pago pela população, vinham à porta da minha casa (sempre aberta como todas as outras) e diziam “vá, não se atrasem e tragam o prémio para a vila”. Eu chorava desolada, quando a minha mãe me disse: “Filha vai arranjar-te e vai lá ganhar aquilo”.

Corri para o meu quarto e vesti um vestido azul escuro, cortado na cintura , saia em godé, debruada no fundo com arminho branco, calcei os sapatos de verniz com meio salto (feitos pelo meu pai para o efeito), desfiz as tranças que me deixaram o cabelo caído pelas costas e todo ondulado e depois de bem escovado, coloquei uma fita branca de arminho igual ao da guarnição do vestido e atei-a no alto da cabeça com um laço. Por ultimo coloquei o meu perfume de jasmim que ainda hoje uso. Ao entrarmos no táxi éramos saudados pelo povo como se fossemos uns grandes artistas.
No início da competição dançante éramos 15 pares, que a pouco e pouco iam sendo eliminados por um júri, composto por 5 elementos de cada uma das aldeias. Eu e o meu irmão fomos o par vencedor e o prémio, além da taça para a terra vencedora, consistia em coisas que os comerciantes e população doavam para o efeito. Sendo assim, eu e meu irmão trouxemos dois cortes de fazenda (um para um fato de homem e para um casaco de agasalho de mulher) oferecido pelo dono da loja de roupas, mercearias oferecidas pelo senhor da única mercearia da terra, dois perfumes (um de homem outro de mulher), um frasco de álcool, algodão, pó de talco e mercúrio oferecido pela farmácia, duas galinhas oferecidas por um lavrador e chávenas, pratos, guarda-jóias etc...etc. oferecidos pela população. Quando chegámos a casa entramos pela porta do quintal para deixarmos as galinhas no galinheiro. O meu pai que todas as manhãs se levantava por volta das 6 horas, para ir comprar o pão e leite frescos, deparou com os vizinhos a darem-lhe os parabéns pela vitória dos filhos no concurso "valsa a prémio para os melhores".
Quando regressou chegou à porta do meu quarto e me chamou pelo nome e apelido (sinal de zangado), levantei-me muito devagar... as pernas não respondiam, sabia que o meu pai se ia zangar a sério. Quando cheguei á cozinha, a minha mãe estava a falar com o meu pai e a dizer-lhe que eu tinha ido com autorização dela, quando os vizinhos entraram pela porta da rua (sempre aberta) a cantar o hino da terra e a abraçarem os meus pais. Ainda hoje lembro a maneira como o meu pai me olhou, num misto de ternura e orgulho, e me disse “desta vez fica assim, toca a vestir e a tomar o pequeno almoço e logo depois do exame falamos”. É verdade... passei no exame.

Ester Cid


                                                               

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Teus dedos cinco sentidos

teus dedos cinco sentidos

aromas de rosmaninho
flores da serra e maresia
olfacto a terra molhada
depois da chuva tardia
quando passeias sozinho
castelo lenda encantada

Teus dedos cinco sentidos

são guias do coração
punho serrado e erguido
guardando um poema Ary
bandeiras rubras ao vento
rompendo o campo e a cidade
visão da minha esperança
amarras que tu desprendes
quanto olhas para mim
doce ilusão de mudança

teus dedos cinco sentidos

golfinhos no rio azul
em alegre audição
cantares de roda e risos de crianças
bater do teu coração
papoilas no meio das searas
cantando revolução
nas terras da margem sul

teus dedos cinco sentidos

sabem-me a boca a desejos
sabem-me ao teu corpo nu
nas brumas de doces águas
beijos de marés salgadas
onde navega eu e tu

teus dedos cincos sentidos

na palma da minha mão
pétalas de rosas silvestres
suave tacto ilusão

o que sinto e não disseste
inunda-me de ternura
meu inquieto coração
que sente a tua doçura

sentir-te ao amanhecer
num quarto de lua nova
cama de lençóis linho
renda de estrelas bordadas
onde fizemos amor
e ficamos de mãos dadas.

Ester Cid.

((ao abrigo do código do autor)

Fotografia: Google

                                                                   

sábado, 27 de dezembro de 2014

"NÃO ME DOU À DESPEDIDA"

Hoje quando li a notícia que, no meu Alentejo, uma parte dos idosos tinha fome, veio-me de imediato a memória do "Ti Maneli", que começou a trabalhar no campo com 9 anos e as suas mãos calejadas e tisnadas pelo trabalho e o calor do sol, e sem o dedo indicador direito que lhe foi cortado pela pide, quando esteve preso em Caxias. Lembro o seu olhar terno e a sua voz rouca e doce, cantando "Não me dou à despedida".
Um cante alentejano, que fala das saudades dos que de lá abalaram mas que nunca conseguem fazer a despedida daquele chão.

Cada alentejano que sai da sua terra, precisa de guardar num talêgo feito de retalhos de tecido, uma esperança de regresso.
Assim como se fosse uma permanente safra de esperanças, cuidada em cada momento das nossas vidas, até se tornarem searas de liberdade.
E nestes" talequinhos"de pano, feitos pelas nossas avós, guardamos esperanças, sonhos, ternuras, coragem, lágrimas. Tristezas acumuladas, mas principalmente a força que nos foi dada pela terra e a ternura, a coragem e a honestidade que herdamos dos mais velhos.

Hoje peguei no meu "talequinho" de retalhos de pano e, ao abri-lo, escutei dentro do meu peito este troar crescente de raios em plenas trovoadas, o fragor de mil injustiças semeadas em terra roubada a quem a cuidou, o sol a queimar-me os sentidos em plena tarde de Agosto.

E voltei a ouvir a doce voz do "Ti Maneli", desejando tanto que cada um de nós gritasse NÃO à fome dos nossos "tios Maneis" e todos cantássemos "Não me dou à despedida". Todos juntos. Pois, como bem sabem, "um alentejano na gosta de cantari sozinho."

Ester Cid
                                                              

domingo, 21 de dezembro de 2014

Sonho



Não vão ter força os pesadelos que tenho todas as noites. Porque são enormes e fortes os sonhos que tenho todos os dias.



Ester Cid
                                                                   





quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

QUERO QUE TE LEMBRES DE MIM


Quero que deixes na minha boca
as palavras que nunca me disseste
e que eu espero tanto ouvir

Quero que leias nos meus olhos
o meu poema silenciado
e que o digas a sorrir

Quero sentir que ao partires
te vás lembrar de mim
com um terno e doce sorriso

Quero que te lembres de mim

como um poema perfeito
uma pintura de Rafael
como aquele livro inesquecível

Quero que te lembres de mim

ouvindo
a nossa musica preferida
no aconchego de uma lareira

Quero que te lembres de mim

como uma brisa de vento
como chuva a beijar-te o rosto
como um olhar abraçando

Quero que te lembres de mim

como uma estrela cintilante
mesmo que não seja para ti brilhante

Quero que te lembres de mim

como lua cheia
mesmo que me sintas quarto minguante

quero que te lembres de mim

como uma flor que canta
nos campos solitários
do meu Alentejo

pois o sofrimento é maior se sentir
quando te fores embora
que não me guardas em ti.

Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)
Imagem:Google                                        
                                                                   








                                                                 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Ribeira doce

Aquela ribeira doce e mansa que corre entre pequenos montes, entalada por pedras grandes e surdas, extensa e solitária planície alentejana, sonhou um dia conhecer o mar.
Abraçou as terras secas e gretadas pelo sol, cantou com as cotovias um belo cântico que suavizava a vida das gentes que trabalhavam as terras, dançou alegremente com o vento, confidenciou o seu sonho à chuva e correu sem cansaço para o concretizar.
Mas - há sempre um mas na vida das belas ribeiras que sonham conhecer o mar - a ribeira cresceu com a cumplicidade da chuva e encontrou rios que quiseram ser seus donos, que lhe apertaram os contornos do sonho e a encheram de lágrimas que salgaram a sua doce água (as ribeiras não nascem para ter donos).
A ribeira começou a perder a doçura e a mansidão, perdeu as forças e o Norte, começou a secar lentamente nas terras gretadas e secas pelo sol. Mas todas as noites confidencia às estrelas e à lua que não vai morrer sem conhecer o mar.


Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)
imagem:Google.
                                                                             

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

OLHAR PARADO.

Assola-me
o
medo
da
solidão
.
Nos
olhos
parados
de
uma
mulher
.
Sentada
ao
sol
da
escuridão
.
Assola-me
o
medo
da
solidão
.
Nos
olhos
parados
De
um
idoso
.
Que
(vive)
.
sem
ilusão
De
viver



Ester  Cid
“A Carruagem de Terceira Classe” – Honoré Daumier

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cumplicidades

Sempre gostei de caminhar à chuva
a chuva foi minha cúmplice e companheira
nos momentos de dor
juntou as suas gotas cristalinas com as minhas lágrimas
chorando juntas

o sol espreitou o nosso caminhar

e ouvi a chuva dizer ao sol
a minha amiga está a trocar-me pela neve
respondendo o sol, não a conheço
nunca nos demos bem
a branca neve entrou na conversa
e disse-lhes
senhora chuva e senhor sol
não sei o que se passa com a nossa poeta
hoje nem quase me olhou
dançava e cantava
com o senhor vento

sorri à chuva
acariciei a neve
o sol fraco e envergonhado
juntou-se timidamente a nós
e rindo dançamos com o vento
uma doce música
como se voássemos

Ester Cid.


Fotografia: Google
                                           

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Laço



imaginar o teu olhar
que se perde no rio
encontrar dentro desse olhar
o que desejo
(e)
no meu ventre
que incendeias
como quem prende o fogo
e se desprende
num laço que me enlaça
sem ser nó

sabe o meu corpo e sabe o teu
que laço é coisa que gostamos

(e)

porque nós, são amarras e não laços

laço não aperta e não é nó
sabe o meu corpo e sabe o teu
dar aquele laço e ser um só

Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)

fotografia:Google                                              
                                                                           

sábado, 8 de novembro de 2014

MÃOS



Hoje

levantei o braço

o punho cerrei e Avante cantei

hoje

plantei flores ao meu jeito

para colher amores perfeitos

hoje

escrevi um poema de esperança

num amanhã de mudança

hoje

dei a mão á minha moda

com as crianças dancei as nossas canções de roda

hoje

bordei o vestido para a minha neta Maria

com o pensamento feliz de lho ver vestido um dia

hoje

com as minhas mãos aliviei as dores de costas do senhor João

mesmo sabendo que amanhã

quando eu ao lar voltar

ele me diga que não

e nem de mim se lembrar

hoje

abri as minhas mãos para num bebé pegar

e gostei do que senti

quando deixou de chorar

hoje

com as minhas mãos ajudei -te amiga a caminhar

hoje

quem me fez companhia e me aconchegou o coração

viu um cravo vermelho florir na minha mão


são tantas as coisas

tantas... que eu faço e posso fazer com as minhas mãos

hoje

não senti solidão

nem as mãos vazias e frias

bastou para isso que eu deixasse de querer as tuas mãos

sem as ter

e aprender o que fazer com as minhas

Ester Cid

(ao abrigo do código do direito de autor)

Imagem: Google
                                                                     












                                                                                                              

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tempo de Revolução

Tempo de revolução
tempo
de dor
tempo
de perda
e de desamor
tempo
de prisão
tempo
sempre... o tempo
tempo
depois do adeus
tempo
de vila morena
tempo
de liberdade
tempo
de revolução
tempo
sempre... o tempo
tempo
de não te ver sorrir
tempo
de não ter tempo
de viver Abril
tempo
de não ter tempo
de te abraçar
tempo
de não ter tempo
de não chegar a tempo
e a revolução passar
tempo
de não chegar
tempo
e tu camarada
não esperares

Ester Cid 
Fotografia de Emanuel Pereira Aparício Ribeiro


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Se o meu corpo fosse um rio



Se o meu corpo fosse um rio
caravela fosses tu
mastros mãos entrelaçadas
navegando em corpo nu

Se o meu corpo fosse um rio
que se transformasse em (a)mar
(a)braços de mil marés
tenebrosas tempestades
numa noite sem luar

Se o meu corpo fosse um rio
azul casado com céu
teus lábios seriam pássaros
voando no corpo meu

Se o meu corpo fosse um rio
Deserto de águas sem fim
onde fosses naufragar
para emergires em mim.

Se o meu corpo fosse um rio
se navegasses em mim.


Ester Cid

Fotografia :Google