sábado, 27 de dezembro de 2014

"NÃO ME DOU À DESPEDIDA"

Hoje quando li a notícia que, no meu Alentejo, uma parte dos idosos tinha fome, veio-me de imediato a memória do "Ti Maneli", que começou a trabalhar no campo com 9 anos e as suas mãos calejadas e tisnadas pelo trabalho e o calor do sol, e sem o dedo indicador direito que lhe foi cortado pela pide, quando esteve preso em Caxias. Lembro o seu olhar terno e a sua voz rouca e doce, cantando "Não me dou à despedida".
Um cante alentejano, que fala das saudades dos que de lá abalaram mas que nunca conseguem fazer a despedida daquele chão.

Cada alentejano que sai da sua terra, precisa de guardar num talêgo feito de retalhos de tecido, uma esperança de regresso.
Assim como se fosse uma permanente safra de esperanças, cuidada em cada momento das nossas vidas, até se tornarem searas de liberdade.
E nestes" talequinhos"de pano, feitos pelas nossas avós, guardamos esperanças, sonhos, ternuras, coragem, lágrimas. Tristezas acumuladas, mas principalmente a força que nos foi dada pela terra e a ternura, a coragem e a honestidade que herdamos dos mais velhos.

Hoje peguei no meu "talequinho" de retalhos de pano e, ao abri-lo, escutei dentro do meu peito este troar crescente de raios em plenas trovoadas, o fragor de mil injustiças semeadas em terra roubada a quem a cuidou, o sol a queimar-me os sentidos em plena tarde de Agosto.

E voltei a ouvir a doce voz do "Ti Maneli", desejando tanto que cada um de nós gritasse NÃO à fome dos nossos "tios Maneis" e todos cantássemos "Não me dou à despedida". Todos juntos. Pois, como bem sabem, "um alentejano na gosta de cantari sozinho."

Ester Cid
                                                              

domingo, 21 de dezembro de 2014

Sonho



Não vão ter força os pesadelos que tenho todas as noites. Porque são enormes e fortes os sonhos que tenho todos os dias.



Ester Cid
                                                                   





quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

QUERO QUE TE LEMBRES DE MIM


Quero que deixes na minha boca
as palavras que nunca me disseste
e que eu espero tanto ouvir

Quero que leias nos meus olhos
o meu poema silenciado
e que o digas a sorrir

Quero sentir que ao partires
te vás lembrar de mim
com um terno e doce sorriso

Quero que te lembres de mim

como um poema perfeito
uma pintura de Rafael
como aquele livro inesquecível

Quero que te lembres de mim

ouvindo
a nossa musica preferida
no aconchego de uma lareira

Quero que te lembres de mim

como uma brisa de vento
como chuva a beijar-te o rosto
como um olhar abraçando

Quero que te lembres de mim

como uma estrela cintilante
mesmo que não seja para ti brilhante

Quero que te lembres de mim

como lua cheia
mesmo que me sintas quarto minguante

quero que te lembres de mim

como uma flor que canta
nos campos solitários
do meu Alentejo

pois o sofrimento é maior se sentir
quando te fores embora
que não me guardas em ti.

Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)
Imagem:Google                                        
                                                                   








                                                                 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Ribeira doce

Aquela ribeira doce e mansa que corre entre pequenos montes, entalada por pedras grandes e surdas, extensa e solitária planície alentejana, sonhou um dia conhecer o mar.
Abraçou as terras secas e gretadas pelo sol, cantou com as cotovias um belo cântico que suavizava a vida das gentes que trabalhavam as terras, dançou alegremente com o vento, confidenciou o seu sonho à chuva e correu sem cansaço para o concretizar.
Mas - há sempre um mas na vida das belas ribeiras que sonham conhecer o mar - a ribeira cresceu com a cumplicidade da chuva e encontrou rios que quiseram ser seus donos, que lhe apertaram os contornos do sonho e a encheram de lágrimas que salgaram a sua doce água (as ribeiras não nascem para ter donos).
A ribeira começou a perder a doçura e a mansidão, perdeu as forças e o Norte, começou a secar lentamente nas terras gretadas e secas pelo sol. Mas todas as noites confidencia às estrelas e à lua que não vai morrer sem conhecer o mar.


Ester Cid

(ao abrigo do código do autor)
imagem:Google.
                                                                             

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

OLHAR PARADO.

Assola-me
o
medo
da
solidão
.
Nos
olhos
parados
de
uma
mulher
.
Sentada
ao
sol
da
escuridão
.
Assola-me
o
medo
da
solidão
.
Nos
olhos
parados
De
um
idoso
.
Que
(vive)
.
sem
ilusão
De
viver



Ester  Cid
“A Carruagem de Terceira Classe” – Honoré Daumier