quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A VALSA DO PROLETARIADO.



Dançar sempre foi uma paixão para mim, aliás, todas as formas de arte, sempre me apaixonaram, mas como vos estava contando, adoro dançar. A paixão era tão grande, que eu e o meu irmão (dois anos mais velho que eu) treinávamos em casa, para quando fossemos dançar às colectividades da nossa vila, pudéssemos dançar e encantar... sim era esse o termo: encantar. Dançávamos a valsa romântica e suavemente, o tango com paixão arrebatadora. Em Agosto, mês das festas, na nossa terra e nas aldeias, era certo e sabido, que o par de irmãos não faltava a nenhum baile. Lembro-me que certa vez, ainda em período escolar, realizou-se numa aldeia vizinha uma valsa a prémio.

Havia uma rivalidade sadia, entre a minha vila e as aldeias próximas e todos queríamos ganhar aquele concurso. Só que desta vez o meu pai, achando que eu precisava estudar e descansar, para estar bem disposta, para fazer um exame na segunda feira, não me deixou ir ao baile... eu e o meu irmão estávamos desolados, tínhamos ensaiado tanto. Antes do meu pai ir dormir, o meu irmão ainda pediu mais uma vez, mas não conseguiu demovê-lo e a resposta foi não. O meu pai adormeceu e os vizinhos ansiosos, esperando ver-nos sair no táxi pago pela população, vinham à porta da minha casa (sempre aberta como todas as outras) e diziam “vá, não se atrasem e tragam o prémio para a vila”. Eu chorava desolada, quando a minha mãe me disse: “Filha vai arranjar-te e vai lá ganhar aquilo”.

Corri para o meu quarto e vesti um vestido azul escuro, cortado na cintura , saia em godé, debruada no fundo com arminho branco, calcei os sapatos de verniz com meio salto (feitos pelo meu pai para o efeito), desfiz as tranças que me deixaram o cabelo caído pelas costas e todo ondulado e depois de bem escovado, coloquei uma fita branca de arminho igual ao da guarnição do vestido e atei-a no alto da cabeça com um laço. Por ultimo coloquei o meu perfume de jasmim que ainda hoje uso. Ao entrarmos no táxi éramos saudados pelo povo como se fossemos uns grandes artistas.
No início da competição dançante éramos 15 pares, que a pouco e pouco iam sendo eliminados por um júri, composto por 5 elementos de cada uma das aldeias. Eu e o meu irmão fomos o par vencedor e o prémio, além da taça para a terra vencedora, consistia em coisas que os comerciantes e população doavam para o efeito. Sendo assim, eu e meu irmão trouxemos dois cortes de fazenda (um para um fato de homem e para um casaco de agasalho de mulher) oferecido pelo dono da loja de roupas, mercearias oferecidas pelo senhor da única mercearia da terra, dois perfumes (um de homem outro de mulher), um frasco de álcool, algodão, pó de talco e mercúrio oferecido pela farmácia, duas galinhas oferecidas por um lavrador e chávenas, pratos, guarda-jóias etc...etc. oferecidos pela população. Quando chegámos a casa entramos pela porta do quintal para deixarmos as galinhas no galinheiro. O meu pai que todas as manhãs se levantava por volta das 6 horas, para ir comprar o pão e leite frescos, deparou com os vizinhos a darem-lhe os parabéns pela vitória dos filhos no concurso "valsa a prémio para os melhores".
Quando regressou chegou à porta do meu quarto e me chamou pelo nome e apelido (sinal de zangado), levantei-me muito devagar... as pernas não respondiam, sabia que o meu pai se ia zangar a sério. Quando cheguei á cozinha, a minha mãe estava a falar com o meu pai e a dizer-lhe que eu tinha ido com autorização dela, quando os vizinhos entraram pela porta da rua (sempre aberta) a cantar o hino da terra e a abraçarem os meus pais. Ainda hoje lembro a maneira como o meu pai me olhou, num misto de ternura e orgulho, e me disse “desta vez fica assim, toca a vestir e a tomar o pequeno almoço e logo depois do exame falamos”. É verdade... passei no exame.

Ester Cid